Felizmente um juiz negou a suspensão do registro e da venda de ingredientes que compõem agroquímicos
Há dias, neste mesmo espaço, comentei sobre como as sociedades europeias e americana admiram e valorizam seus produtores rurais, subvencionando-os fortemente mesmo em situações de crise. No Brasil, as relações campo-cidade são, com frequência, marcadas por suspeitas e desinformação.
Muitos se esquecem de que, até recentemente, o atraso de nossa agricultura era grande problema. A produção rural insuficiente para atender ao mercado doméstico e as crises recorrentes de abastecimento interno nos obrigavam a importações de emergência, a despeito da crônica escassez de dólares. E, não raro, apelava-se ao puro e simples racionamento de gêneros de primeira necessidade.
Nos últimos 40 anos, houve uma revolução no campo brasileiro. Mudaram os produtores, os sistemas de produção e a tecnologia agrícola, sob o comando de um órgão de pesquisa do Estado brasileiro –a Embrapa. Criamos uma agricultura tropical com identidade própria, pois até então tentávamos adaptar a agricultura das regiões temperadas às nossas condições.
A agricultura tropical é um progresso para a humanidade, mas tem seus problemas. O calor e a umidade, tão propícios à vida, são também favoráveis à proliferação de insetos e pragas combatidos com os recursos da química moderna.
Desenvolvemos técnicas de manejo integrado de pragas e doenças e adotamos, em larga escala, o sistema de plantio direto de grãos, que consiste na semeadura sobre os resíduos do cultivo anterior, dispensando-se a aração e a gradagem do solo. Esse sistema só é possível com o controle químico das ervas daninhas, feito com produtos usados em todo o mundo e exaustivamente aprovados em milhares de testes de inocuidade.
Os agroquímicos que utilizamos no controle de pragas e doenças são igualmente adotados em todos os principais países e, dada a sua inevitável toxidade, são sujeitos a regulamentação rígida e a estritos protocolos para fabricação, transporte, armazenamento, aplicação e deposição de resíduos e embalagens. Tudo isso é efetivamente obedecido, tanto que exportamos para os mercados mais sofisticados e exigentes do mundo e somos permanentemente auditados por equipes de inspeção sanitária dos países importadores.
Apesar de tudo isso, o MPF (Ministério Público Federal) lançou terrível ataque contra a nossa produção, requerendo à Justiça que suspendesse de imediato, mediante tutela antecipada antes de qualquer instrução e julgamento, o registro e a venda de um grupo de ingredientes ativos que compõem ampla gama de agroquímicos.
Na lista do MPF estão o glifosato e o 2,4-D, largamente usados no sistema de plantio direto. Sem eles, ficaria inviabilizada a produção de produtos que compõem a dieta do brasileiro, como o arroz, o milho, o tomate e as hortaliças, além de grãos e fibras.
É fato que o Ministério Público só tomou essa atitude por causa da ineficiência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Afinal, há oito anos ela editou portaria anunciando a reavaliação de vários agroquímicos e até hoje não cumpriu a tarefa, embora tivesse 120 dias para fazê-lo. Mas, se a Justiça julgasse procedente a pretensão do MPF, a produção rural brasileira sofreria o mais duro golpe de sua história recente.
Felizmente a Justiça tem dado mostras de grande bom senso. Em duas oportunidades, no Paraná e no Distrito Federal, a tutela antecipada foi negada com argumentos consistentes e praticamente irrespondíveis. Ao proferir a sentença, o juiz federal considerou que o 2,4-D possui registro em mais de 70 países. Essa é uma das substâncias químicas mais estudadas do mundo, com mais de 40 mil estudos realizados por diversas instituições de pesquisa dos vários continentes.
Com a calma e o tempo apropriados à natureza dessas questões, é possível examiná-las de acordo com os fatos e a ciência. A agricultura precisa seguir produzindo em paz, defendida da desinformação e do preconceito.
KÁTIA ABREU, presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados na Folha de S.Paulo.