Equívocos sobre a averbação de reserva legal

Depois da promulgação da Lei nº 12.651, de 2012, o chamado novo Código Florestal, muito tem se discutido sobre a necessidade da averbação da reserva legal, principalmente enquanto não está instituído formalmente o Cadastro Ambiental Rural que, conforme a letra da lei, substituirá a averbação.

A interpretação dos dispositivos de qualquer legislação deve ser feita à luz, principalmente, da intenção do legislador, a chamada mens legis, pois algum motivo real e relevante levou o legislador, representante legítimo da sociedade, a criar determinada regra.

A obrigatoriedade da averbação da reserva legal nasceu em 1989 com a Lei nº 7.803, de 1989, que modificou o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771, de 1965). A intenção era dar publicidade à existência de reserva legal em determinado imóvel e nada mais adequado do que gravar na matrícula, que é a identidade do imóvel, tal informação.

Com o advento da nova lei, foi separada da vida comum do imóvel a sua regularidade ambiental. Para isto foi criado o Cadastro Ambiental Rural (CAR), obrigatório a todas as propriedades Rurais e que deverá conter não só informações sobre a reserva legal mas também dados da existência de áreas de preservação permanente, áreas de uso restrito, remanescentes florestais e tipos de uso.

O CAR é assim, a evolução ambiental da averbação da reserva. É a identidade ambiental do imóvel onde se dará ampla publicidade às condições ambientais de qualquer área rural.

Diante desta nova realidade a exigência de averbação em matrícula é o empobrecimento da interpretação da Lei, insistindo em modelos já ultrapassados e que são ambientalmente menos adequados.

A nova legislação inovou em conceitos e formas de regularização ambiental, oferecendo às áreas com alguma inadequação diferentes opções de regularização e prazos para que esta possa ser possível. A nova realidade vai proporcionar um grande ganho ambiental se comparada com a situação ambiental das propriedades sob a égide da lei anterior.

Embora não houvesse regra diferenciada para as áreas com usos irregulares, não havia também a busca espontânea pela regularização, já que esta, na maioria das vezes, representava a inviabilidade econômica da propriedade rural. Um pequeno produtor, por exemplo, que tivesse que recuperar 30 metros em cada lado de um córrego ou mais existente em sua área, certamente deixaria de fazê-lo em virtude dos altos custos dessa recuperação, preferia conviver com o risco da fiscalização ambiental.

O Ministério Público, em busca do cumprimento da lei, ingressava com ações civis públicas que levavam em média de sete a dez anos para que chegassem ao julgamento final. Só aí a propriedade irregular tratava de iniciar a recuperação ou, em grande parte dos casos, quando o proprietário não tinha condições financeiras, a briga judicial se tornava sem fim, com o Judiciário em busca de bens do produtor que pudessem cobrir as multas. Não raras vezes a própria terra era tomada daquele produtor em pagamento das pendências.

Desta forma se conseguia um número insignificante de regularizações às custas do Judiciário. Muito tempo e muito recurso depois.

O novo código provocou um movimento espontâneo de todos os produtores que tenham algum tipo de irregularidade. A regra diferenciada de recuperação, de acordo com o tamanho da propriedade, faz com que todos possam participar da melhoria do ambiente, mas conforme suas condições financeiras.

As diversas possibilidades de regularização das áreas que precisam de reserva legal dão ao produtor maiores chances de, verdadeiramente, instituírem suas reservas e esta nova metodologia é incompatível com a exigência de averbação na matrícula do imóvel. Segundo a nova legislação o produtor pode comprar títulos na bolsa de valores que irão substituir sua reserva, as Cotas de Reserva Ambiental (CRA), é possível ainda adquirir áreas dentro das unidades de conservação e doá-las ao Poder Público. Como exigir a averbação se essas hipóteses não comportam tal possibilidade?

Mesmo que fosse possível, os prazos dados pela nova Lei ao menos tornaria inexigível a averbação dentro de um ano da instituição do CAR, prazo que o produtor tem para fazê-lo. Parece óbvio, se o produtor tem um ano para aderir ao CAR e se este substitui a averbação, esta averbação não pode ser exigida antes deste prazo.

Por fim, desfazendo a confusão causada pelo fato de não ter sido revogado o dispositivo da Lei de Registros Públicos que autoriza os cartórios a promover a averbação, este somente foi mantido pela manutenção da necessidade de averbação da servidão ambiental, ou seja, quando um imóvel compensa sua reserva legal em outro imóvel, tal situação deverá ser informada nas matrículas de ambos os imóveis.

Vale lembrar que, apesar de ter sido instituída em 1989 a necessidade de averbação da reserva legal, a possibilidade dessa averbação na Lei de Registros Públicos somente foi incluída em 2006 pela Lei nº 11.284, de 2006. O fato de não existir tal previsão tornaria as averbações realizadas entre 1989 e 2006 inválidas? Sim ou não a questão está superada. A existência da possibilidade de averbação pelos cartórios não torna esta averbação obrigatória, mas apenas gera a possibilidade de fazê-lo quando esta for a vontade do produtor.

É preciso que haja um desprendimento das regras anteriores e que se compreenda o novo Código Florestal que trouxe novos paradigmas para possibilitar ao Brasil seguir com um novo modelo de uso e ocupação de seu território, um novo modelo de produzir e de consumir.

Samanta Pineda é advogada especialista em direito socioambiental, Consultora Jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária, sócia fundadora da Pineda & Krahn Sociedade de Advogados