Agricultor, a mais nobre das profissões

Alysson Paolinelli, ministro da Agricultura entre 1974 e 1979, considerado o pai da moderna agricultura brasileira, costuma dizer que “o interior do Brasil já foi conhecido como terras-de-fazer-longe, ou terras que mais serviam para aumentar distâncias que para produzir progresso”. É seu jeito de lembrar o Brasil de pouco mais de quatro décadas atrás, marcado pela imensidão inóspita da savana tropical, de solos ácidos, pobres e degradados – “um vazio a se perder no horizonte”, conforme lembra. Sem saber de que forma domar grande parte das suas terras para a agricultura, o Brasil era obrigado a comprar lá fora um terço dos alimentos de que precisava, e colocar comida na mesa custava perto de 45% da renda das nossas famílias.

Ciência e empreendedorismo mudaram radicalmente essa realidade. Tecnologias de manejo transformaram nossos solos pobres em terra fértil. A tropicalização dos cultivos, com ciclos diferenciados, nos permitiu aproveitar terras em todas as condições climáticas. Os manejos e as práticas sustentáveis que desenvolvemos se tornaram um arsenal de defesa ambiental. Com dinamismo empreendedor, os agricultores brasileiros souberam combinar esses conhecimentos e tornaram as safras do Brasil essenciais para a segurança alimentar do país e do mundo. A produção brasileira de grãos saltou cerca de 400% nos últimos 40 anos, enquanto a área efetivamente semeada aumentou apenas 40%. O resultado é que hoje a população brasileira não gasta mais do que 13% de sua renda em alimentação, e o país se tornou também um grande player de exportação mundial. A ciência e os agricultores brasileiros são reconhecidos e celebrados em todo o mundo também por isso.

“A tropicalização dos cultivos, com ciclos diferenciados, nos permitiu aproveitar terras em todas as condições climáticas”

Para comemorar os 100 anos da criação do Ministério da Agricultura, o presidente Juscelino Kubitschek determinou, em 1960, que em 28 de julho passasse a ser comemorado o Dia do Agricultor. Nada mais justo que eleger um dia para se reverenciar o trabalho árduo, a dedicação, a perseverança e o compromisso desses brasileiros que cumprem uma das funções mais nobres na sociedade – alimentar as pessoas. E o fazem tendo que enfrentar múltiplos fatores incontroláveis, como o clima, as pragas e as incertezas dos mercados. Se já era importante homenagear os nossos agricultores nos anos 1960, reconhecê-los e encorajá-los hoje é um imperativo, considerando a importância que a agricultura ganhou para a economia e a sociedade brasileira.

Os agricultores estão entre os principais geradores de riquezas para o país. A agricultura no Brasil contribuiu com 23,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2017. No mesmo ano, nossos agricultores ajudaram o Brasil a exportar o equivalente a US$ 96 bilhões em produtos agropecuários para mais de 150 mercados ao redor do globo. As fazendas brasileiras produzem o suficiente para alimentar quatro vezes a nossa população, ou mais de 850 milhões de pessoas ao redor do globo. Entre 1997 e 2017, os agricultores contribuíram com a exportação de incríveis US$ 1,23 trilhões, fazendo da agricultura o setor que mais impactou a balança comercial e a geração de riquezas no país.

A partir do esforço dos nossos agricultores – sejam eles grandes, médios ou pequenos –, milhões de empregos são gerados diretamente no campo e, como numa reação em cadeia, em um sistema de negócios e indústrias que, por sua vez, envolve fornecedores de insumos e serviços, a indústria transformadora de alimentos e fibras, o sistema de armazenagem e transporte, máquinas e equipamentos, até as indústrias de laticínios, bebidas, frigoríficos, tecelagens, atacadistas, supermercados e distribuidores de frutas e hortaliças frescas, entre muitos outros. Por causa da grandeza e diversidade da nossa agricultura, o homem do campo exerce enorme impacto no emprego nas cidades e no comércio em todos os rincões do Brasil.

Olhando adiante, em um horizonte até 2050, quando teremos que dobrar a produção de alimentos, muito mais será exigido dos agricultores, pequenos, médios e grandes, todos essenciais para a intensificação do uso das terras já destinadas à produção, além de expansão das fazendas, com rigoroso balizamento na sustentabilidade. O Brasil tem enorme potencial para ampliar sua produção de alimentos em virtude das favoráveis condições climáticas, da topografia relativamente plana e de uma grande disponibilidade de áreas aptas a múltiplos empreendimentos sustentáveis. Por isso, será essencial assegurar que os agricultores brasileiros disponham de meios para seguirem sendo ousados, empreendedores e bons administradores da terra, fornecendo alimentos saudáveis, seguros, culturalmente adequados e acessíveis para todos.

Promover condições de vida dignas aos agricultores, aos trabalhadores do campo e suas famílias, além de proteção aos recursos naturais, é um imperativo em um país com clara vocação agrícola como o nosso Brasil. Com agricultores motivados e fortalecidos, o campo brasileiro seguirá contribuindo para a construção de um conceito de país contemporâneo, focado no uso inteligente dos recursos naturais, na regularidade do abastecimento, no progresso e no bem-estar das pessoas, e na segurança alimentar e nutricional, que contribuirão para a paz em âmbito global.

Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa. Francisco Marcelo Rodrigues Bezerra é presidente da Conab.